terça-feira, 5 de maio de 2015

4 - Formalismo Russo e New Criticism.



  O Formalismo Russo e o New Criticism (Neo Crítica, Nova Crítica), foram movimentos "adjacentes" em países diferentes, porém ambos com uma particularidade mecânica única que os tornaram "univitelinos" por seus ideais. Ambos faziam uso de um método de analise literária totalmente imanente, dessa forma qualquer obra literária era analisada apenas por sua forma material, desligando-se totalmente de influências pessoais, sociais, filosóficas ou sentimentais.


  Apesar de geograficamente nascerem separados - O Formalismo Russo iniciou-se na Russia no período de 1915-17 e 1923-30. O New Criticism por sua vez, originou-se nos anos 1920-30, tomando força na América do Norte entre 1940 e 1950.


Formalismo Russo.


  Corrente de crítica literária que se desenvolveu na Rússia a partir de 1914, sendo interrompida bruscamente em 1930, por decisão política. O nome do movimento foi objecto de discussão e, muitas vezes, se disse que era inadequado. Nos textos introdutórios da tradução portuguesa (de Iasbel Pascoal) da colectânea de textos dos formalistas russos, preparada por Tzvetan Todorov, quer Roman Jakobson quer o próprio Todorov começam por chamar à designação formalismo uma espécie de falácia ou termo pejorativo, criado pelos opositores desta teoria. Citando Jakobson, o formalismo, que foi “uma etiqueta vaga e desconcertante que os detratores lançaram para estigmatizar toda a análise da função poética da linguagem, criou a miragem de um dogma uniforme e consumado.” (Todorov, 1999, p.12).


  O Círculo Linguístico de Moscovo foi fundado por alguns estudantes da Universidade de Moscovo, no inverno de 1914-1915, com o propósito de promover estudos de poética e de linguística, afastando-se assim da linguística tradicional e aproveitando a renovação da poesia russa que os poetas da época haviam iniciado. Este Círculo veio a receber oportuna colaboração da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética (sigla russa: OPOIAZ), a partir de 1917. A primeira publicação do grupo, A Ressurreição da Palavra (1914), de Viktor Skhlovski, foi seguida da colectânea Poética, que havia de divulgar os primeiros trabalhos do grupo. Inicia-se um período de grande polêmica, criticando-se sobretudo o afastamento dos novos linguistas dos “princípios eternos da arte”, sacrificando-os à primazia de estudos poéticos e linguísticos baseados em teorias puramente materialistas; por outro lado, os teóricos de inspiração marxista também não aceitaram que a nova poética ignorasse as realidades sociais e o recurso à literatura como meio de transformação dessas realidades. Em termos internacionais, os trabalhos dos formalistas russos só ganhou projeção quando Victor Erlich publica o livro Russian Formalism (1955). Esta divulgação no mundo ocidental foi decisiva, porque permitiu o desenvolvimento de inúmeros estudos e traduções de textos fundamentais. Se no ocidente os trabalhos dos formalistas russos não chega a ser totalmente conhecido e bem recebido até à década de 1950, na então Checoslováquia e Polónia teve grande repercussão. Formou-se o Círculo Linguístico de Praga, que se desenvolve a partir da década de 1920 e teve entre os seus principais participantes os russos Jakobson, Trubetzkoi e Bogatiriev e o checo Mukarovski, autor de Funções Estéticas como Reflexos de Normas e Fatos Sociais (1936), resumo da sua teoria geral de estética, e Estudos sobre Estética (1966), fundamentos de uma estética estrutural.


  Este Círculo só será desfeito no fim da Segunda Guerra Mundial, em função da situação política da Checoslováquia. Jakobson emigra para os Estados Unidos, onde conhece o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, de cujo relacionamento intelectual se desenvolveria, em grande parte, o estruturalismo. Esta escola de Praga representou uma espécie de transição do formalismo para o estruturalismo. Estes teóricos desenvolveram as ideias dos formalistas, mas sistematizaram-nas dentro do quadro da linguística saussureana. Há quem defenda que os formalistas de Praga foram uma versão científica do New Criticism anglo-americano.


  Os formalistas russos são responsáveis por uma renovação da metalinguagem crítica, fornecendo novos termos de análise do texto literário, discutíveis individualmente, sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objecto de reflexão e discussão, o que prova a sua importância. Muitos dos temas teóricos escolhidos para investigação nunca antes haviam sido discutidos: as funções da linguagem, em particular a relação entre a função emotiva e a função poética (Roman Jakobson), a entoação como princípio constitutivo do verso (B. Eikhenbaum), a influência do metro, da norma métrica, do ritmo quer na poesia quer na prosa (B. Tomachevski), a estrutura do conto fantástico (V. Propp), a metodologia dos estudos literários (J. Tynianov), etc. De entre os conceitos e discussões técnicas sobre terminologia literária (discutidos individualmente neste Dicionário) são de realçar a noção de literariedade ou literaturnost (o que faz com que um texto literário seja considerado literário; de notar que os formalistas ignoraram as formas não literárias, servindo-se apenas delas para mostrar precisamente que o que distingue um texto literário de um não literário é a literariedade); o estranhamento ou ostranienie, que Shklovsky define como a forma que a arte tem de tornar “estranho” aquilo que tem uma existência comum nascido de um processo de automatização (processo que se confunde com a banalização do objecto de arte, que só por um outro processo de renovação poderá proceder a um renascimento da arte); o predomínio da forma sobre o conteúdo do texto literário, porque é a forma que determina verdadeiramente a literariedade; e as noções de fabula e sjuzhet, como princípios constitutivos o texto em prosa (a fabula é o material primitivo de onde nascerá a narrativa, organizada em torno de uma trama ou sjuzhet, elemento puramente literário, que não se confunde com a narração cronológica dos acontecimentos, mas é antes uma espécie de estranhamento narrativo da fabula).


  Praticamente toda a doutrina dos formalistas russos foi objecto de crítica. Uma das teses mais refutadas foi a da literariedade. Da extensa bibliografia sobre a rejeição do privilégio da literariedade, chamamos a atenção para: Henryk Markiewicz, “The Limits of Literature” (New Literary History, IV, 1, 1972); Costanzo Di Girolamo, Critica della letterarietà (Il Saggiatore, Milão, 1978); e, mais recentemente, Jonathan Culler, que inicia e termina o seu artigo sobre “A literariedade” com as seguintes confissões, respectivamente: “Devemos confessar que não chegámos a uma definição satisfatória da literariedade.” e “Não encontrámos nenhum critério distintivo e suficiente susceptível de a definir.” (Teoria Literária, dir. de Marc Angenot et al., Publ. Dom Quixote, Lisboa, 19p.45 e p.58). A teoria formalista defendia que não há poetas nem personagens literárias: apenas há poesia e literatura. Assim sendo, o professor formalista é obrigado a ensinar, por exemplo, que Os Maias não são de forma alguma um “romance de família”, mas antes um puro exercício de técnicas de narração, constituindo as personagens simples artifícios de construção dessas técnicas. Mais, a literaturnost implica que os usos especiais de linguagem que fazem o literário se encontrem não só nos textos literários mas também fora deles. Então, se a literatura pode ser definida nestes termos, podemos argumentar que o discurso oral quotidiano contém maior dose de metaforização do que muitos textos declarados “literários”. O jornal A Bola tem, pois, mais marcas de literaturnost do que muitos romances que hoje se publicam sob esta designação. No final dos anos 20, o estalinismo acabou com os formalistas russos e com a literaturnost.


Não só a poesia interessou os formalistas. A prosa foi sistematicamente trabalhada, sobretudo por teóricos como Shklovsky (Sobre a Teoria da Prosa) e Tomachevski, autor da primeira obra monográfica sobre Teoria da Literatura. V. Propp, com a célebre Morfologia do Conto (1928), formulou uma teoria das funções narrativas nos contos populares, que se revelou fecunda nos estudos da narrativa em geral. Interessaram também aos formalistas russos os princípios linguísticos de organização da obra como produto estético. O estudo do romance, como grande narrativa, conheceu um importante contributo de Boris Eikhenbaum (Teoria da Literatura, ed. por Eikenbaum et alii, Porto Alegre, 1971), que propõe uma teoria da prosa e traça uma retrospectiva histórica sobre a evolução do romance em relação ao relato oral, concorrendo, significativamente, para a diferenciação entre o romance e a novela, baseada no princípio de que a novela seria uma equação com uma incógnita e o romance, um problema com regras diversas, um sistema de equações com muitas incógnitas, sendo as construções intermediárias tão importantes ou mais que a resposta final.


  Após a interdição política da atividade dos formalistas, alguns que se encontravam no estrangeiro, prosseguiram os trabalhos iniciados na Rússia. Acontece assim com Jakobson, por exemplo, que se mantém sempre fiel à orientação formalista inicial, mesmo que resvale para o estruturalismo francês dos anos 60; outros, como Skhlovski, acabaram por renegar a sua doutrina anterior.


Bibliografia

Ewa M. Thompson: Russian Formalism and Anglo-American New Criticism — A Comparative Study (1971); Juirj Striedter: Literary Structure, Evolution, and Value : Russian Formalism and Czech Structuralism Reconsidered (1989); Peter Steiner: Russian Formalism : a Metapoetics (1984); T. Todorov: Teoria da Literatura I: Textos dos Formalistas Russos (Lisboa, 1999); Id.: Teoria da Literatura II: Textos dos Formalistas Russos (Lisboa, 1989); V. Erlich: Russian Formalism: History — Doctrine (1981).http://www.shef.ac.uk/misc/personal/rup97kz/russian.htmhttp://units.ox.ac.uk/departments/classics/echo/theory/formalism.htmlhttp://www.anu.edu.au/english/jems/formalism.html


New Criticism.



  A expressão New Criticism refere se invariavelmente aos nomes e aos trabalhos dos críticos americanos John Crowe Ransom, William K. Wimsatt, Cleanth Brooks, Allen Tate Richard Palmer Blackmur, Robert Penn Warren e ao do filósofo Monroe Beardsley, os quais escreveram as suas obras mais influentes durante as décadas de 40 e 50. Aliás, a designação surgiu exatamente porque esse era o título de uma das obras de John Crowe Ransom, publicada em 1941. No entanto, o inglês I. A. Richards, bem como o anglo americano T. S. Eliot, são tidos como os grandes inspiradores de uma prática crítica cuja ênfase se situava maioritariamente no texto ou na escrita. Essa inspiração foi claramente admitida embora também se sublinhassem reações próprias, designadamente a rejeição da teoria psicológica de I. A. Richards (Vd. Richards, 1920) por parte dos vários autores americanos envolvidos, nomeadamente por Cleanth Brooks numa preciosíssima entrevista concedida em 1975 (Brooks, 1975: 1 35).


  A crítica daquilo a que Wimsatt e Beardsley chamaram ”falácia intencional” e ”falácia afectiva” constitui talvez o mais estruturado conjunto de ideias por que este movimento se pretendia afastar dos aspectos extra textuais no estudo da poesia.


  Os nomes dos ingleses William Empson e F. R. Leavis são também quase sempre associados ao movimento, na medida em que também a sua atividade crítica é fortemente marcada por uma mesma rejeição dos modos críticos e de investigação de tipo biográfico, sociológico e historicista. Aliás, a influência de Richards na crítica literária inglesa exerceu se sobretudo através do seu discípulo William Empson, que em Seven Types of Ambiguity, publicado em 1930, oferecia um desenvolvimento prático e analítico da insistência de Richards (Vd. Richards, 1924) na atenção que o crítico devia dar a todas as particularidades de um texto literário, e que ficou conhecido por close reading ou método de leitura próxima do texto.


  Diga se também, no entanto, que a hostilidade para com a teoria que Empson sempre manifestou não encontra grande suporte na obra de Richards, e muito menos um eco significativo nos seus congeneres americanos. Registe se esta afirmação de William Empson: “Um crítico deve confiar no seu próprio nariz, como o cão de caça, e se deixar que um qualquer tipo de teoria ou princípio o distraia disso, então ele não está a cumprir a sua tarefa.” (W. Empson, 1950: 594). Este foi o modelo que durante várias décadas dominou a crítica literária inglesa. Não admira, por isso, que fosse a parte americana, mais receptiva ao desenvolvimento sistemático de ideias que a teoria possibilita do que ao dogmatismo das asserções que o «faro» crítico impõe, a construir alguns dos principais textos teóricos do nosso século, possibilitando uma pujança e uma produtividade na investigação literária que até há bem pouco tempo não encontrava paralelo em Inglaterra. É por isso que merecem ser registadas as diferenças que L. C. Knights assinala entre o chamado Cambridge Criticism (Escola de Cambridge), ou a vertente inglesa do New Criticism, e o New Criticism norte americano: “Em várias e algumas vezes conflituosas publicações, a crítica de Cambridge (Cambridge Criticism) parece ser sido vista no mundo literário como um aliado ou um percursor do New Criticism americano, um método de leitura próxima do texto, bem como de análise (close reading and analysis). Esta designação é inadequada. Claro que era importante desde o início que a nova Escola encorajasse a fruição direta, pessoal da literatura: falando cruamente, ela queria que os estudantes fossem leitores inteligentes, em vez de eruditos e historiadores da literatura. (...) Quando apareceu o Seven Types de Empson e as primeiras obras publicadas de Leavis, [estes trabalhos] pareciam confirmar a noção de que o traço distintivo da crítica de Cambridge era o rigor analítico. Mas isto não faz justiça à ideia (...) da nova Escola. (...) Esta abordagem orientava se para a qualidade de vida dos indivíduos e, portanto, para a qualidade da civilização que os enformou e pela qual eles eram responsáveis.” (L. C. Knights, 1987: 164 165).


Bibliografia

Cleanth Brooks: «Notes for a Revised History of the New Criticism: An Interview», in Tennesse Studies in Literature, vol. XXIV, 1979; David Lodge (org.): 20th Century Literary Criticism—A Reader, 1977; I. A. Richards: Science and Poetry, 1920; Principles of Literary Criticism, 1924; L. C. Knights: «Cambridge Criticism: What was it?», in Robert Druce (org.), (1987); Robert Druce (org.): A Centre of Excellence. Essays Presented to Seymour Betsky. Costerus, vol. LVIII, 1987; William Empson: Seven Types of Ambiguity, 1930; «The Verbal Analysis», in Kenyon Review, vol. XII, 1950; William K. Wimsatt & Monroe Beardsley: «The Intentional Fallacy», 1946, in David Lodge (org.), 1977; «The Afective Fallacy», 1949, in David Lodge (org.), 1977.
http://www.mc.maricopa.edu/users/eberle/svcInewc.htm


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